Sobre cigarras…
a cigarra
não vive pra trabalhar
nem trabalha pra viver
ela nasce pra cantar
e canta até morrer
Por isso discordo da moral incutida na fábula de Esopo. Outrora aceitei, agora refuto. Penso até que andam praticando bullying com as cigarras.
Recorro à complexidade moriniana para dizer que trabalhar não exclui cantar. E assim, em versos, atrevo-me a subverter a moral dessa estória:
trabalhar ou cantar?
não há de escolher
cantar e trabalhar
plenitude do viver
Rubem Alves me ensinou que uma vida boa requer saber manejar duas caixas: a caixa de ferramentas (razão, necessidade) e a caixa de brinquedos (fruição, encanto). Nessa escolha, o certo é usar “e” no lugar de “ou”.
Escolhas excludentes têm feito a infelicidade de muita gente. Passa-se pela vida sem viver, sem fruir, sem contemplar. Tudo por conta de escolhas que, por vezes, parecem dominar todos os sentidos.
Que tal fazer diferente prestando atenção ao tempo e aos ciclos da natureza? Ouvindo, vendo, cheirando, tocando e saboreando a vida em plenitude.
Das estações, a primavera é a mais propícia para exercícios assim, contemplativos. Nas entrâncias primaveris, cigarras cantam alegres contemplando o tempo da estação que principia. O tempo da vida em renovação. O tempo das flores do campo e dos jardins encantados. O tempo da beleza. Penso que, ao cantarem seus zis-zis-zis, as cigarras queiram chamar a chuva que falta à completude do singelo milagre que é a florescência. Milagre que acontece sob o descuido dos olhos humanos.
Diz-se que o tempo anda passando depressa demais. Não é isso; as pessoas é que têm passado depressa pelo tempo, sem perceberem suas nuances. É nele – e por meio dele – que a vida exerce suas chances de felicidade. E tempo não se guarda para ser consumido depois…
as cigarras cantam
à sombra dos buritis
borboletas, utopias
e uma flor-de-lis
as cigarras enfeitam
a trilha de zis-zis-zis
vesperatas, poesias
e uma vida feliz
João Gimenez
27/09/2019
-‘-
Agradecimentos à amiga Maria Bárbara de Campos, que me ajudou a recuperar os originais deste texto, escritos em 2015.
Reverências ao professor Vicente Parreiras que me inspirou em agradável conversa por ocasião da última reunião da ALACIB.
“Poesia da Sexta” – CDXV o amor se perdeu e assistimos e a paz morreu e nem vimos joão gimenez […]
alvorece sabiás cigarras e prece… ó Serafim ó chuva dos céus lavem-me de mim… nas águas de Deus -‘- remissão […]
Poesia da Sexta – CDXLIII velas ao vento o sol s o m e no mar num triscar de momento […]
João Gimenez é escritor e poeta. Garimpeiro de palavras.
Tem três livros publicados. A completude do verso (2013 – Editora 3i), Versos Velados (2015 – Editora 3i) e O céu, a lua e as estrelas (2019 – Editora Aldrava, Letras e Artes).
Com O céu, a lua e as estrelas, João Gimenez foi premiado em 3o. lugar no Concurso Internacional de Literatura da UBE/RJ – União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro, na modalidade Aldravia, Prêmio Gabriel Bicalho.
É membro efetivo da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil – Mariana – MG e da SBPA – Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas.
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