No último dia de sua vida
Ronaldo Guimarães*
No último dia de sua vida tropeçou numa pedra. Gritou um palavrão.
No último dia de sua vida bateu no caçula. Arrependeu-se.
No último dia de sua vida fez um crediário numa sapataria. Não só morreu como também matou: uma barata, na estreia do sapato novo.
No dia de sua morte perdeu duas horas na fila do INSS.
No dia de sua morte derramou café na toalha nova, roeu unha, espremeu um cravo, procurou uma palavra no dicionário, chupou jabuticaba de Sabará e tomou caldo de cana e pastel de queijo numa pastelaria do Centro.
No último dia de sua vida riu, como não ria há muito tempo, de uma piada indecente.
No dia de sua morte largou o cigarro. Agonizava.
No último dia de sua vida acertou na centena e no milhar. Deu 13 na cabeça. Galo. Já não era sem tempo, a vida inteira tentando o mesmo número. No outro dia, levaria o caçula para parques e rodas imensas e gigantes que beliscam nuvens.
No dia de sua morte viu seu time perder, no finalzinho, num impedimento clamoroso, como dizem os locutores esportivos. Quase morreu por antecipação, de tanta tristeza.
No último dia de sua vida escreveu uma carta para amada. Reconciliação. Guardou no bolso do paletó marrom.
Atropelado por uma lotação.
Ninguém viu a carta.
* escritor e pedagogo
-‘-
Conto do meu primo, amigo e irmão, Ronaldo Guimarães, publicado no Blog do Juca Kfoury, Uol, em 29/08/2020.
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João Gimenez é escritor e poeta. Garimpeiro de palavras.
Tem três livros publicados. A completude do verso (2013 – Editora 3i), Versos Velados (2015 – Editora 3i) e O céu, a lua e as estrelas (2019 – Editora Aldrava, Letras e Artes).
Com O céu, a lua e as estrelas, João Gimenez foi premiado em 3o. lugar no Concurso Internacional de Literatura da UBE/RJ – União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro, na modalidade Aldravia, Prêmio Gabriel Bicalho.
É membro efetivo da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil – Mariana – MG e da SBPA – Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas.
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