28 de setembro de 2022Categoria: Memórias

Sobre cigarras…

a cigarra

não vive pra trabalhar
nem trabalha pra viver
ela nasce pra cantar
e canta até morrer

Por isso discordo da moral incutida na fábula de Esopo. Outrora aceitei, agora refuto. Penso até que andam praticando bullying com as cigarras.

Recorro à complexidade moriniana para dizer que trabalhar não exclui cantar. E assim, em versos, atrevo-me a subverter a moral dessa estória:

trabalhar ou cantar?
não há de escolher
cantar e trabalhar
plenitude do viver

Rubem Alves me ensinou que uma vida boa requer saber manejar duas caixas: a caixa de ferramentas (razão, necessidade) e a caixa de brinquedos (fruição, encanto). Nessa escolha, o certo é usar “e” no lugar de “ou”.

Escolhas excludentes têm feito a infelicidade de muita gente. Passa-se pela vida sem viver, sem fruir, sem contemplar. Tudo por conta de escolhas que, por vezes, parecem dominar todos os sentidos.

Que tal fazer diferente prestando atenção ao tempo e aos ciclos da natureza? Ouvindo, vendo, cheirando, tocando e saboreando a vida em plenitude.

Das estações, a primavera é a mais propícia para exercícios assim, contemplativos. Nas entrâncias primaveris, cigarras cantam alegres contemplando o tempo da estação que principia. O tempo da vida em renovação. O tempo das flores do campo e dos jardins encantados. O tempo da beleza. Penso que, ao cantarem seus zis-zis-zis, as cigarras queiram chamar a chuva que falta à completude do singelo milagre que é a florescência. Milagre que acontece sob o descuido dos olhos humanos.

Diz-se que o tempo anda passando depressa demais. Não é isso; as pessoas é que têm passado depressa pelo tempo, sem perceberem suas nuances. É nele – e por meio dele – que a vida exerce suas chances de felicidade. E tempo não se guarda para ser consumido depois…

as cigarras cantam
à sombra dos buritis

borboletas, utopias
e uma flor-de-lis

as cigarras enfeitam
a trilha de zis-zis-zis

vesperatas, poesias
e uma vida feliz

João Gimenez
27/09/2019

-‘-

Agradecimentos à amiga Maria Bárbara de Campos, que me ajudou a recuperar os originais deste texto, escritos em 2015.

Reverências ao professor Vicente Parreiras que me inspirou em agradável conversa por ocasião da última reunião da ALACIB.

Deixe o seu comentário!

Veja também

27 de janeiro de 2023

Senhora D’Ajuda – 27/01/2015

Poesias são uma concretude de experiências sensoriais de que, por vezes, nem se dá conta. Tive contato com este quadro […]

Leia mais
11 de março de 2023

Trilha dos poetas – 11/03/2016

Poesia da Sexta Trilha dos poetas João Gimenez Sinto saudade das esquinas. Das ruas… Dos arredores. Dos amores. Mas, liberto, […]

Leia mais
11 de junho de 2022

Carta do vovô – VII – 20/03/2020

“Poesia da Sexta” – CCXCII Carta do Vovô VII Belo Horizonte, 20/03/2020 Ei Sarinha, boniteza do vovô Hoje você completa […]

Leia mais

Sobre o autor

João Gimenez é escritor e poeta. Garimpeiro de palavras.

Tem três livros publicados. A completude do verso (2013 – Editora 3i), Versos Velados (2015 – Editora 3i) e O céu, a lua e as estrelas (2019 – Editora Aldrava, Letras e Artes).

Com O céu, a lua e as estrelas, João Gimenez foi premiado em 3o. lugar no Concurso Internacional de Literatura da UBE/RJ – União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro, na modalidade Aldravia, Prêmio Gabriel Bicalho.

É membro efetivo da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil – Mariana – MG e da SBPA – Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas.

Contatos com o autor: